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Um artista do acaso

  • Foto do escritor: Jornalismo
    Jornalismo
  • 25 de nov. de 2019
  • 2 min de leitura

Atualizado: 1 de dez. de 2019



Foto: Lucas Lemes Gavião


Por Lucas Lemes Gavião


Talvez esse seja o início de mais um clichê. Uma surpresa que não tem sentido por ser aguardada ao final do relato. Mas o ímpeto de expressar essa pequena história não me permite apenas engavetar esse curioso fato em minha memória.


Estive meio aéreo nas últimas semanas. Na verdade, não seria exagero afirmar que isso tenha se estendido ao longo dos últimos meses. Uma rotina que gradualmente tem tomado minha atenção aos pequenos detalhes.


Em uma segunda-feira na qual reservei a manhã para propósitos acadêmicos, fui ao trabalho durante a tarde e frequentei a faculdade pela noite, exatamente como nem lembro desde quando, acabei por sair mais tarde que o normal da instituição em que estudo. Uma mesa redonda interessantíssima sobre os desafios encarados pela comunidade negra prendera minha atenção até tal hora.


Estive por alguns longos segundos sozinho na estação esperando o ônibus para retornar para casa e fazer um routine reset. Como qualquer cidadão que preza pela sua segurança, estava atento, observando tudo com um olho nas costas.


Em menos de 10 segundos sozinho, notei a aproximação meio apressada de um rapaz, aparentemente uns quatro ou cinco anos mais novo que eu. Ele chegou perto e perguntou as horas. Respondi que eram 22:27. Ele olhou para meu pulso, agradeceu e sentou há uma pequena distância. Eu, ainda um tanto receoso, continuei de olho. Logo em seguida, o rapaz tirou a mochila e abruptamente sacou de dentro dela… um lápis… e um caderno de desenho. Pois é. Um desenhista. Um artista do acaso.


Enquanto continuava na espera, e à medida que algumas outras pessoas também chegavam até a estação, passei a observar o que o rapaz desenhara de canto de olho. Entre as figuras de um filtro/apanhador dos sonhos e um galho com algumas folhas (muito bem traçadas por sinal), o cara começou a fazer rabiscos em uma folha nova. Ele parecia despreocupado com os ônibus que passavam. Estava inclinado de maneira esquisita e cabeça baixa. Notei que rapidamente subia o olhar e voltava a desenhar. Tive a impressão de que o jovem fitava meu pulso, mais especificamente o relógio e a pulseira com um pingente de âncora que usava, ambos presentes de um grande amigo meu. Achei meio improvável, mas ao mesmo tempo genial, pois ele me perguntara às horas há alguns minutos sem qualquer pretensão. De onde teria vindo a ideia? Quando meu ônibus chegou, levantei-me, entrei no ônibus, e pude observar o jovem desenhista guardando seu material em sua mochila. Meu chute se confirmou.


Minha atenção redobrada me fez recobrar o foco que costumava ter aos detalhes que me cercavam. Um relógio de pulso e a pulseira de um estranho se tornaram inspiração para os traços de um jovem desenhista em uma folha de papel. No caminho para casa, refleti sobre quanto tempo tenho estado longe de atividades que me dão prazer e que exigem muito pouco de mim, na verdade. Fazer uma música, escrever por puro gosto, passar uma tarde com os amigos jogando conversa fora e tomando uma cerveja. Aquele talvez tivesse acabado de quebrar com a chatice da própria rotina, com um simples desenho, do qual o interrompi. Por conta disso, me vi obrigado a dar continuidade àquela arte, mas a meu modo, escrevendo.


***Escrito em 20 de novembro de 2018***

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