A Ditadura do Corpo Perfeito
- Jornalismo
- 25 de nov. de 2019
- 9 min de leitura
Foto: Tamara Sedrez, Patrice Yanka, Narayan Gottesmann, Andyara Knoch e Olga Helena
Crédito: Eduarda Loregian
Por Eduarda Loregian e Olga Helena
Celulite, estrias e medidas. O sexo feminino sempre foi alvo de críticas e cobranças. Miss Plus Size de Blumenau, uma psicóloga e outras mulheres dão a sua versão sobre a imposição desses estereótipos

Foto: Eduarda Loregian
Padrões de beleza inatingíveis as cercam por todos os lados. Estão em outdoors, novelas, filmes e no Instagram. A sociedade impõe moldes a séculos e todos os dias aparecem mais remédios, cirurgias estéticas e soluções “milagrosas” para que as mulheres continuem a seguir esses paradigmas.
Você já se sentiu mal por causa de sua aparência, seu peso, altura ou preferência sexual? Se a sua resposta for sim para alguma dessas perguntas, essa matéria também pertence a você.
Moldes ao longo da história
Não é de hoje a preocupação das pessoas com a aparência. Muito antes das redes sociais moldarem o mundo, a beleza ou a falta dela, já era motivo de inveja, intolerância e luxúria. E, apesar das cobranças se dirigirem aos dois sexos, a mulher sempre foi o centro dessas críticas. Os primeiros estudos sobre o comportamento criminoso feminino, relataram que os aspectos físicos das mulheres definiam o seu grau de culpa. Portanto, quanto mais bonita ela fosse ou maior o seu poder de sedução mais perigosa ela seria. A aparência também separava as prostitutas, tidas como sujeira da sociedade, das mulheres de família, que eram as mães e esposas respeitadas.

Foto: Tamara Sedrez, Patrice Yanka, Narayan Gottesmann, Andyara Knoch e Olga Helena Crédito: Eduarda Loregian
Das belas estátuas gregas com o físico perfeito ao estilo recatado da idade média. Os padrões impostos pela sociedade sempre moldaram o comportamento e forma de vestir das mulheres. Um exemplo disso, foram os anos 1990 que ficaram marcados pelas supermodelos altas, magras e com curvas que delineavam o seu corpo. Outro atributo muito valorizado eram os seios. Que ao contrário dos anos 1920 deveriam ser grandes, o que favoreceu a disseminação das cirurgias de silicone. Durante o mesmo período, os procedimentos estéticos como: rinoplastia e silicone, também eram a sensação entre os jovens mais ricos. Como não lembrar das meninas com curativos nos narizes falando ao celular do filme “As Patricinhas de Beverly Hills” de 1995.

Imagem do filme As Patricinhas de Beverly Hills (Clueless), 1995
Dados da Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas (SBCP) mostram que em 2017 o Brasil ultrapassou os EUA em relação aos procedimentos estéticos. A pesquisa apontou que os norte-americanos realizaram um total de 66 mil cirurgias, enquanto no Brasil esse número chegou a 90 mil, fazendo com que os brasileiros liderem o ranking deste tipo de intervenção. Os tratamentos estéticos e cosméticos também são muito procurados pelas brasileiras.
Mas afinal, estrias, celulite e rugas, não são características normais do ser humano?! Então, por que ensinou-se as mulheres a temerem a velhice, as espinhas e outras marcas do seu corpo? E, por que os homens não temem as mesmas coisas? A autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, no livro “Para Educar Crianças Feministas: um manifesto”, escreveu: “Temos um mundo cheio de mulheres que não conseguem respirar livremente porque estão condicionadas demais a assumir formas que agradem aos outros”. E ela tem razão. O sexo feminino está sempre em busca de algo que as façam se sentir melhor, sejam uns quilos a menos, um Botox aqui ou uma plástica ali.
O que diz a especialista
Para a psicóloga Amanda Lang, ao tentar se encaixar num padrão, as mulheres acabam deixando de lado características próprias. E isso, afeta a sua autoestima fazendo com que esteja sempre em busca e na conquista de um corpo denominado como perfeito. Segundo ela, se adequar a um padrão é muito complicado, já que não existe um e a pessoa acaba tendo uma mudança de consciência corporal. Que é quando você se olha no espelho e não se vê como realmente é, e sim como gostaria de ser. E isso, pode trazer transtornos como anorexia e bulimia.

Foto: Tamara Sedrez, Patrice Yanka, Narayan Gottesmann, Andyara Knoch e Olga Helena
Crédito: Eduarda Loregian
Para Amanda, essas cobranças vindas tanto da sociedade quanto da família podem ser nocivas para as mulheres. “Se há por toda a sua vida alguém te falando como você deve ser, você vai aceitar aquilo como verdade. E isso, pode desenvolver problemas de autoestima. Já está comprovado que o surto de suicídio em meninas da idade de 14 há 19 anos, acontece em decorrência do corpo perfeito. Devemos ter muito cuidado com a forma que falamos com o outro, às vezes, isso pode trazer consequências danosas no futuro”, relata.
A falta de “mulheres reais” em campanhas e mídias sociais motivou a marca Dove em parceria com a Getty Images e a Girlgaze, a lançar uma campanha global intitulada #ShowUs, que reúne um acervo com mais de 5.000 imagens, criadas por mulheres que visam quebrar os estereótipos de beleza. As fotos estão disponíveis para indústrias de mídia e publicidade utilizarem em seus trabalhos. De acordo com a pesquisa feita por essas empresas, cerca de 70% das mulheres dizem que ainda não se sentem representadas nas imagens que veem todos os dias nas propagandas.
Pois, nem nas propagandas e muito menos nas redes sociais, as “mulheres comuns”, que trabalham, cuidam dos filhos e de casa, não são representadas em nenhum desses meios. Lang comenta sobre isso. “A partir do momento em que postamos fotos ou temos acesso à elas isso se torna um espelho. E assim, quando não conseguimos o mesmo resultado, nos frustramos ainda mais”. Ainda de acordo com Amanda, as mulheres nunca param para pensar o que se esconde por trás desses perfis da internet e o que essas pessoas não querem que os outros vejam.
Uma Miss que representa
Participar de concursos de beleza sempre foi um sonho para Patrícia Farias. Porém suas curvas fora do padrão e a falta de apoio dos seus familiares sempre a afastaram do seu desejo. Quando mais nova, ela fez aulas de dança, mas a medida que foi engordando, outras meninas começaram a discriminá-la fazendo com que desistisse de dançar. Esposa e mãe de um menino de três anos, descobriu através de uma amiga o concurso Miss Plus Size de Blumenau, o qual hoje ostenta o título. Aos 23 anos, ela não tem medo de contar o número de suas roupas ou falar sobre as imperfeições de seu corpo. “Não devem nos chamar de plus, gordinha, e sim de gorda, que é o que somos. As pessoas escondem e colocam outros nomes, mas não, concurso de Plus Size é concurso de gorda”, questiona Patrícia, que hoje se considera um modelo de inspiração e representatividade para outras mulheres.

Foto: Patrícia Farias, Miss Plus Size de Blumenau Crédito: Eduarda Loregian
Patrícia, lembra das dificuldades de participar do concurso, já que todos os custos devem ser bancados pelas inscritas. “Tivemos que ir atrás dos nossos patrocinadores para bancar o concurso, e ainda tirar um pouco do nosso bolso. A competição não dá nenhum prêmio em dinheiro, somente a honra de carregar o título e representar a cidade”, comenta ela. Na edição do Miss Plus Size que Patrícia concorreu, apenas duas mulheres participaram, fazendo com que as duas disputassem o 1° e o 2° lugar. A Miss aponta questões como vergonha do corpo, falta de aceitação e apoio familiar, como alguns dos fatores para a falta de interessadas no evento. “Eu já estou acostumada a entrar nas lojas e ficar constrangida, por não ter o meu tamanho. Para participar do concurso é preciso usar no mínimo o manequim 48, número que é bem difícil de se encontrar em lojas de magazine”, ela ainda relata como se sente em relação a isso, “O que mais me dói é ir em uma loja para comprar uma roupa e a pessoa te olhar e pegar roupas pequenas e dizer, eu acho que te serve porque é lycra”.
Para Patrícia, o significado do seu título vai muito além de uma realização pessoal, mostra que todos devem se amar e se aceitar sem precisar se encaixar em padrões. "Se você é gorda e não gosta do que vê ao olhar no espelho, então mude e se esforce para isso, porque todo mundo consegue. Agora, se você se ama do jeito que é, exclua o que te falam de negativo e seja verdadeira". A Miss confessa que já tentou emagrecer por causa de julgamentos alheios, mas que hoje convive em paz com o seu corpo. "Quando eu vou no parquinho de diversões com meu filho, eu sento em um balanço, para brincar com ele e as pessoas me olham com julgamento. Mas o balanço é para os pais e para as crianças, então não ligo", relata.

Foto: Patrícia Farias, Miss Plus Size de Blumenau Crédito: Natalino Civiero Civiero
“O meu intuito é mostrar a força que nós mulheres temos, e que podemos ser o que quisermos. Quero mostrar para as mulheres que tudo é possível a partir do momento em que você se aceita e começa a se amar. Acho que é isso, o importante é se amar e mais nada”, finaliza Patrícia.
A Ditadura do Corpo perfeito na visão delas
Para a professora universitária Marta Brod de 33 anos, falar sobre o corpo é um assunto bastante complexo, já que ela também não se encaixa nos padrões da sociedade. “Eu acho que, às vezes, somos muito cruéis com as meninas e também com os meninos. Porém, mais com as mulheres por uma questão histórica. Devemos parar de criar elas como bibelôs e deixar elas serem o que quiser. Ensinar elas a se amarem e se respeitarem”, reflete Marta.
“Lembro de uma vez, em que eu estava no provador, e nada ficava bom, tudo era grande demais. E na cabine do meu lado, eu ouvia uma mulher reclamando do contrário. Que ela era “gorda demais” e que queria ser bem magra. Por coincidência, saímos ao mesmo tempo do vestiário e ela me olhou e disse: - Queria ter o teu corpo, você deve ser muito feliz. E eu assustada com a situação falei: - Acho que você não quer isso, porque se hoje eu estou assim, é por motivo de doença. E, daí ela ficou me encarando confusa e eu fui embora”.
Marta, é uma de muitas mulheres que sofrem preconceito por conta do seu peso. “Magra demais”, para os padrões estipulados pela sociedade, ao contrário da Miss Plus Size, ela sofre com pessoas “preocupadas” com a sua aparência. “Acho que tudo bem você não ter peito. Tudo bem você não usar sutiã. Tudo bem se a calça não serviu. Está tudo bem! E é isso que as pessoas não entendem”, diz.
“Na minha adolescência eu lembro da revista capricho fazer testes tipo: Qual o corpo perfeito para você conquistar o seu amado? Isso, não é coisa que se faz com uma garota de 14 anos. Aí, você molda toda a sua vida de acordo com isso, porque para conquistar o “crush” você tem que ser assim”, relata Marta.

Foto: Marta Brod, professora universitária
Crédito: Redes sociais
A assistente de publicidade Andyara Knoch, de 21 anos, a ditadura sobre o corpo feminino começa quando se estipula que as mulheres não devem ter pêlos, enquanto que para os homens isso é permitido. “Eu sempre falo que as mulheres só conquistaram de verdade o direito ao voto. Pois, o resto sempre temos que pedir aprovação. Para abortar, ter um filho e às vezes até para escolher uma calça jeans”, diz.
Narayan Gottesmann, de 22 anos, que é assistente de marketing, relata como os homens tratam as mulheres como propriedade. “Os homens falam: - Minha gata. - Minha namorada. - Minha mulher. E sabe, eu não sou dele. Eu sou minha! O sexo masculino lida com as mulheres como se elas pertencessem a eles, mas na verdade são as mulheres que permitem que os homens as toquem”. Narayan aponta outro fator preocupante neste cenário, os filmes pornôs. Pois, eles retratam as mulheres de uma forma totalmente preconceituosa, irreal e machista. “Eu não sei o que acontece com essa nossa geração que acha que a mulher vai ter a vagina rosada. Eles realmente não conhecem o corpo feminino. Por exemplo: eu uso absorvente interno, e uma vez um ex-namorado meu me perguntou como que eu fazia xixi. Pois, ele achava que o orifício era o mesmo”, comenta.

Foto: Tamara Sedrez, Patrice Yanka, Narayan Gottesmann, Andyara Knoch e Olga Helena
Crédito: Eduarda Loregian
A estagiária de publicidade Patrice Yanka Rocha Naves, de 21 anos, já viveu dois extremos. Na sua infância enfrentou a dificuldade de encontrar roupas no seu tamanho, por estar acima do peso e agora “magra demais” relata outros problemas devido ao seu corpo fora do padrão. “Faz um tempo que eu parei de usar sutiã, porque eu não tenho muito peito e também por me sentir melhor assim. E um dia desses eu fui para uma festa de família e uma das minhas tias viu que eu estava sem e me falou que eu deveria colocar pois meus tios estavam lá. A partir daí, comecei a me sentir mal. E a pensar em como os outros iam me ver. É complicado”.
Recentemente, Tamara Sedrez, de 19 anos, estagiária de jornalismo conta uma situação que viveu após cortar seu cabelo bem curto. “Naquele dia, estava com um misto de empolgação, ansiedade e receio da minha escolha. E ao sair do salão, passei ao lado de uns homens, e eles gritaram: - Estava melhor antes! Aquilo me fez tão mal, meu mundo desabou”, relata.
Seja como for, mas seja você!
A psicóloga Amanda Lang, aponta que não há fórmula mágica para as mulheres. Superar as cobranças da sociedade sob o corpo feminino, é uma questão pessoal. “A partir do momento em que a pessoa se aceita, ela consegue aceitar melhor o que os outros falam dela e que isso pode se reverter em algo construtivo. Um exemplo dessa aceitação, são as modelos plus size, que estão aí para quebrar certos paradigmas”.
Patricia Farias, Miss Plus Size de Blumenau ressalta a importância da aceitação e como ela é libertadora. “Não devem nos chamar de Plus ou gordinha, e sim de gorda, pois é o que somos. As pessoas escondem e colocam outros nomes, mas não, concurso de Plus Size é concurso de gorda. E eu me amo exatamente do jeito que eu sou. É por isso que eu digo: - Seja como for, mas seja você!”.

Foto: Tamara Sedrez, Patrice Yanka, Narayan Gottesmann, Andyara Knoch e Olga Helena
Crédito: Eduarda Loregian
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