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A liberdade mora no campo à luz da lua

  • Foto do escritor: Jornalismo
    Jornalismo
  • 16 de abr. de 2019
  • 3 min de leitura

Tamara Sadrez


Quando saiu de casa, aos 16 anos, Sonia nem imaginou o que lhe esperava. Cansada de dividir cada pedacinho de sua vida com seus sete irmãos no interior da Serra Catarinense, arrumou suas coisas para, finalmente, deixar sua casa e sua família. Não era como se ela não gostasse da vida que compartilhava com a família. Sentiria falta das brincadeiras com seus irmãos; da companhia de sua única irmã; de ouvir o canto do galo anunciando cada novo dia; das histórias que sua mãe contava quando estavam todos reunidos, apreciando o calor vindo do fogão à lenha; da brisa que sentia no rosto ao andar pelo enorme gramado do terreno de seus pais iluminado pelo luar. Enfim, sentiria falta daquela fazenda e de tudo aquilo que, um dia, já lhe colocou um sorriso no rosto. Mas agora ia ter uma vida de adulta. E isso não era algo tão simples na época.


Seu coração ainda pulsava ansiado pela tal liberdade. Sonia sempre foi uma menina teimosa. Subia nas mais altas árvores e se recusava a descer, mesmo sob gritos agoniados da mãe preocupada. Quando sua mãe insistia para que vestisse uma roupa rosa, a cor da qual ela menos gostava, ela se recusava a todo custo. A sua teimosia era tão grande quanto o seu desejo de conhecer a vida e, é claro, foi a teimosia que a permitiu ser uma mulher livre.


O ano era 1993 e a ideia de que mulheres, obrigatoriamente, eram destinadas a exercer todas as funções domésticas predominava. Sonia decidiu se casar com João, um amigo da família, pois era a única maneira de sair da casa dos pais e conquistar a sua “independência”.


Essa tal independência na verdade não chegou. No lugar dela, veio uma relação abusiva. Sonia começou a trabalhar como costureira, profissão que exerce até hoje, e seu dinheiro todo era entregue ao seu marido e sua sogra. Além disso, ela foi submetida a diversas outras restrições.


Não obstante, ela resistiu. A primeira vez que levou um tapa do homem que, segundo as promessas do matrimônio, devia amá-la e respeitá-la até seus últimos dias, ela partiu. Foi então que voltou para o seu lar. Seus pais a receberam novamente com um abraço apertado e aconchegante que emanava a paz de estar em casa. Estava de volta ao seu lugar, só que agora era “a separada”. Como se nada na sua vida importasse mais do que o fato de ter tido um casamento fracassado, cuja duração não passou de seis meses, assim passou a ser denominada. A separada. Mas… e daí? Ela tinha coisas mais importantes com o que se preocupar.


Se fossemos mencionar cada passo da sua vida e relatar cada detalhe, não haveriam palavras suficientes, nem mesmo fôlego. Todas as suas fases foram intensas, assim como o brilho que aparecia em seus olhos a cada decisão que tomava. Os tropeços e tombos que a vida lhe deu deixaram-na cada vez mais forte.

Entre indas e vindas e os relacionamentos frustrados, ela teve duas filhas. As pessoas que ela mais amou e jamais vai deixar de amar. Treze anos depois, pôde sentir de novo a sensação de carregar uma vida no ventre, e dele veio um menino. A teimosia na qual ela estava imersa na juventude se tornou um oceano de persistência e estímulo para passar por cada adversidade, cada maré ruim, sempre com suas crianças no colo.


A “mãe leoa”, como ela se autodenomina, continua fazendo o possível para defender seus filhos. Mas ela também é filha, e sente-se preocupada com o bem-estar e saúde dos pais — faria de tudo para voltar ao antigo lar e cuidar de sua mãe, retribuindo toda a atenção que recebeu dela. A trabalhadora sente-se satisfeita com a profissão escolhida desde o início, mas insatisfeita com a remuneração. A amiga é altruísta e sempre faz o que pode para ajudar quem precisa. A namorada… bem, essa não mudou. Nunca se deixou prender por um relacionamento. A mulher livre permanece em sua essência.


Hoje, aos 42 anos, continua voando veemente. Suas asas, ora fatigadas, ora vibrando de energia sobrevoam qualquer tempestade. Ainda sente falta de descansar suas asas no campo, sentir o frescor da noite enquanto ouve o barulho do vento tocando as folhas das árvores ao redor, sabendo que, a quilômetros de distância, há uma cidade gigante e inquieta pulsando de impaciência, mas com a qual já não tem nenhum compromisso. Esse é o seu ideal de liberdade.


Material desenvolvido na aula de Jornalismo de Revista conduzido professora Marta Brod.

Divulgação

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